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Cafona pra quem? Um diálogo sobre estética, repertório e sociedade.


Cafona é uma palavra de origem italiana, cafone, que significa no nosso bom português algo de péssimo gosto, sem elegância, muito extravagante ou vulgar¹. Se perguntarmos pra alguém o significado da palavra, permeará os termos brega, feio, exagerado. Essa pessoa provavelmente trará exemplos e imagens que possam especificar o seu ponto de vista. E acreditamos que esse ponto de vista possa ser construído sob a base de muitos pilares: sociais, de classe, espaços de convivência, crenças, valores, etc. Então, antes iniciar as provocações desse texto, alguns questionamentos nortearam horizontes: Por que determinado tipo de roupa/estética é vista como cafona? O que faz essas coisas serem entendidas como cafonas? E são cafonas para quem?


Em tempos onde o quiet luxury e o movimento das clean girls são estéticas virais na internet, o vestir monocromático com peças de roupa de acabamento impecável e estética minimal tem sido cada vez mais popularizados. Urge a necessidade de entendermos, antes de mais nada, como chegamos até aqui. A estética é percebida como uma manifestação do belo, capaz de produzir em nós sentimentos e sensações. Em contrapartida, ao falarmos de vestuário, esse funciona socialmente não apenas em sua função prática, que é vestir o nosso corpo, como também estética e simbólica. O ato de vestir é uma linguagem não verbal capaz de expressar informações identitárias, sejam elas sociais, raciais, de classe e de gênero.

à esquerda: Marie Emilie Coignet de Courson (1769), Jean Fragonard. Acervo do Met Museum. A direita: Liya Kebede em campanha para THE ROW, Outono de 2022.


minimizar para diferenciar?

Durante muito tempo, o uso de muitos ornamentos no vestir era percebido pela sociedade como símbolo de poder. Esse vestir foi permeado por indumentárias exuberantes, ornamentados com muitos babados e repletos de barroquismos. Mas foi no final do século XIX e início do século XX que houveram mudanças significativas na roupas.


Um dos discursos produzidos no passado que permeia a ideia do cafona, fazendo um recorte de gênero, é o da mulher desprovida de classe e elegância. Associa-se a essa mulher a falta de critério e capital intelectual na forma como ela se relaciona com o vestir. O capital intelectual aqui não vem somente da roupa que essa mulher gostava de usar, como também as festas que frequentava, a quantidade de ornamento que usava, a música que ouvia ou dos artistas que admirava. A ideia do cafona permeou até o seu gestual e a forma como falava. Problematizamos como as ideias vigentes do que era considerado cafona também refletem no ideal comportamental de feminilidade e códigos de conduta.


Segundo os códigos de conduta, que envolvem uma série de regras de etiqueta e também do bem vestir, podemos sinalizar que esses mecanismos eram poderosas ferramentas de distinção de classe, sendo capaz de segregar não somente quem não possuía capital financeiro como também quem ascendia socialmente através do dinheiro. Para não ser cafona, seria necessário à performance do ideal comportamental produzidos por ideias conservadoras e elitistas. Do que esse pequeno grupo social entendia como belo, agradável, aceitável.



E o tal do repertório estético?

Podemos dizer que o nosso repertório estético é moldado pelas nossas experiências e bagagens culturais. Aqui, podemos entender que o espaço que frequentamos, a música que se ouve, o contexto social no qual os sujeitos estão inseridos, vão moldar inclusive como enxergamos as funções práticas, simbólicas e estéticas dos objetos. Compreendido isso, podemos refletir sobre como possuímos diferentes formas de nos relacionarmos com a experiência estética e a forma como vamos apreciar esses fenômenos estéticos está diretamente ligada com esse capital cultural que construímos. Então quão justo seria julgar a percepção do belo do outro a partir da minha óptica? Invalidando a sua vivência e o seu capital cultural?


E quais influencias estéticas tem o seu olhar?


Esse texto não tem como objetivo construir verdades absolutas, mas servir de ponte para que possamos refletir sobre conceitos estruturados no passado e que refletem no tempo presente. A ideia é que, ao pensarmos no que entendemos por cafona, possamos construir um pensamento crítico para o conceito e quais ideias estamos reforçando. Essas ideias cabem na atualidade? Mais ainda, que as vias abordadas nesse texto nos permita também aprofundar o conhecimento para mais além - e quem sabe, voltarmos aqui e pensarmos se essas reflexões ainda cabem ou se necessitam ser aprimoradas e questionadas também.



¹ Cafona. In.: Dicio, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2023. Disponível aqui. Acesso em 27/09/2023


Referências:


FRASQUETE, D. R. A profissão de costureiro de luxo, o povo e o cafona: entrelaces da moda nas tramas da história social. Revista de Humanidades, v. 31, n. 1, p. 150, 2016.

NEVES, P. P. O gosto dos outros: arte e kitsch como marcadores de distinção na obra de Jeff Koons. [s.l: s.n.]





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